Portal Brasileiro de Cinema  Atriz errante pensa o seu momento, hoje, ontem e amanhã

Atriz errante pensa o seu momento, hoje, ontem e amanhã

Helena Ignez

Em busca de sua realização como atriz e como ser humano, é difícil encontrar um ator que escreva bem. É atuando que os atores revelam sua sabedoria e poder de comunicação. É através da arte que o ator busca um sentido para a vida. O fazer ligado à experiência humana.

Cinema: atividade de risco. Filmes: o prazer de fazer parte de uma unidade maior que si mesmo, a sensação poderosa de identidade grupal, que pode ser positiva ou negativa, depende de sua utilização. O ator, um membro da equipe onde todos trabalham em comum.

Interpretar filmes: o máximo de verdade com o mínimo de recursos; depurar em vez de enfeitar. O que queremos expressar não se manifesta por artifícios externos, que se realizam no nível do instinto. É trabalhado com método para que se transforme em arte.

Reavaliar a interpretação: o objetivo da atriz. "Posso ensinar a um jovem ator qual o movimento para apontar a lua. Porém, entre a ponta de seu dedo e a lua, a responsabilidade é dele". Não existe receita para uma interpretação perfeita, é a combinação de vários elementos que cria o sabor particular. O que mostramos diretamente é o "eu". Purificar a voz e o corpo. E ir além.

O que é um ator inovador? É o que tem uma técnica tradicional e é capaz de entender a essência da arte tradicional e que articula este saber com o vínculo particular de estilo. É preciso explorar numerosos caminhos no interior de si mesmo e criar e construir o seu personagem através da busca, do divertimento. O ator perfeito é o que sabe, pela sua arte, ultrapassar a imaginação do diretor. Atores são pesquisadores capazes de descobrir uma nova via e inventar uma situação nova. Represente como for melhor para você. A única coisa que precisamos é liberdade.

O começo: Pátio (1958), Salvador, Bahia. Sofisticado (sophisticated igual inteligente), esse filme é pardo como era a população viável da cidade de Salvador. Quase não se via brancos na cidade. Essa minoria branca e rica circulava entre mansões e tudo acontecia lá. Dificilmente uma arte libertária como o cinema teria o seu rebento mais brilhante surgido da alta sociedade, como se chamava. Glauber, menino, 18 anos, já vedete literária entre os jovens mais informados e cultos, escreve maravilhosamente, filosofa sobre cinema em coluna de jornal e na revista Mapa, editada por ele.

A atriz que protagonizou Pátio era uma menina de 18 anos que cursava a Escola de Teatro da Universidade da Bahia; tinham mesmo se conhecido num recital de poesias de Castro Alves, muito acadêmico, e um sorriso vital e irônico entre os dois jovens imediatamente os uniu, e sobre o que se via ali como interpretação foi a alavanca do relacionamento de ambos.

Oásis continha o que havia de atual, vanguarda e clássico na cultura universal, isso mesmo, a Escola de Teatro da Universidade da Bahia, fundada um ano antes da realização de Pátio, e que foi essencial ao filme como formação e referência. O maestro Koellreutter, então meu professor de História da Música, suas aulas e o repertório escolhido para audições e concertos na Reitoria da Universidade, formaram o universo sonoro de onde surgiu a fantástica trilha do primeiro Glauber. A atriz Helena Ignez, protagonista de Pátio, mergulhada nesta atmosfera de sons, vinha, também formada pela Escola de Teatro, com a sutileza dos ensinamentos de Stanislasky, e trazia no corpo o movimento coregráfico das aulas de Yanka Euska, nome fundamental na dança moderna. A protagonista, participando ativamente do processo fílmico, recria-se anulando a si mesma como mais um som. Procurou-se a abstração e a ausência. Esse estilo volta de forma semelhante e diversa em O padre e a moça, Cara a cara e São Jerônimo.

Desde o início soube da especificidade da atuação no cinema, uma atuação de risco. Atores de todas as gerações precisam da técnica como base, mesmo alguns que foram chamados de "objetos fílmicos", como o cowboy Gary Cooper, que recebeu aulas sobre o método Stanislasky com Michel Checov. Não acredito em ótimos resultados para atores que se limitam a "tipos". Que os atores se protejam, que se tornem, com bom humor e alegria, uma usina de alma humana; que a atriz possa aparecer em seu trabalho como ela é _ rica, complexa, original e naturalmente individual.

Em A mulher de todos também tive o privilégio de ter um script com diálogos e situações extraordinárias, onde pude desenvolver com extensão e forte impulso um personagem genial, vestido pela sua eletricidade e seus diálogos. Há que se dizer: oportunidade fantástica para uma intérprete estudiosa e inquieta, monitorada por inúmeras técnicas de ator, insinuar-se neste caminho _ de autor-autor, de um criador _ , no caso o personagem anormal Angela carne e osso.

Na interpretação deste filme era mantido também o clássico específico fílmico: a sinceridade absurda "do olhar". O olhar do personagem era a síntese de seu dinamismo incomum. Essa veemência do movimento fílmico do impulso já tinha sido impressa em O bandido da luz vermelha e também já estava enunciada como um movimento em vários filmes; um trabalho específico do ator, no caso feminino, que era desconhecido no nosso cinema; um trabalho inovador e de qualidade reconhecida pelos eleitos e que, infelizmente, nenhuma atriz teve seu momento de realizá-lo. Uma arte de interpretar em filmes muito ajustada e original, como os próprios filmes; um estilo claro e pessoal de interpretação de cinema, como por exemplo, Família do barulho ou Copacabana mon amour e Os monstros de Baballoo; o prazer de fazer parte de uma unidade maior que si mesmo.

No cinema, a diferença entre o homem real e o personagem, entre a realidade e a cena é muito mais sutil do que no teatro. A comunicação é de ser humano para ser humano. Uma vez que a técnica é adquirida, está pronta para ser jogada fora. Para passar ao estado de criatividade.